terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Domingos Lobo


“TERRITÓRIO INIMIGO”
A liberdade, a liberdade livre baudelairiana e não a liberdade estereotipada, formal que a retórica institucionalizada nos impõe, só se alcança no respeito pelo “outro”, com o “outro”.
Enquanto não conseguirmos enfrentar os nossos mais íntimos temores, os fantasmas ocultos que nos assolam em noites aziagas, não conseguiremos experimentar a plenitude – viveremos uma mentira, um preconceito, o esquivo refúgio face à dureza do real que habitamos. Porque a Liberdade começa na aceitação, no entendimento “do outro” e na ultrapassagem dos nossos próprios medos.
Quando conseguirmos perceber que a diferença (a cor da pele, a religião, a ideologia, a opção sexual) não constituem um “território inimigo” mas um amplo espaço de compreensão, de abertura, de convivência, de estimulante e contínua aprendizagem neste difícil, dialéctico e perigoso exercício de estar vivo, então estaremos aptos a assumir a nossa condição de cidadãos livres.
O novo livro de Domingos Lobo, TERRITÓRIO INIMIGO, coloca-nos nesse espaço-limite das nossas mais extensas perplexidades contemporâneas, no chão de lava de todas as transgressões para que nos possamos interrogar, ver ao espelho, sem temores, por forma a conseguirmos, sem sobressaltos, penetrar nesse outro território do humano que teimamos em ignorar.
Os outros, mesmo estigmatizados por milénios de obscurantismo ultramontano, vivem a nosso lado, convivem connosco, são parte integrante deste planeta que fugazmente habitamos. “A corda do outro”, como escreveu Sérgio Godinho numa belíssima canção, “serve-nos no pé, nos dois pulsos, no pescoço”. A aventura de estar vivo não se compadece com margens e fronteiras.
Domingos Lobo, desbrava esse “oculto” território, numa linguagem ora cáustica, lírica por vezes, ora desassombrada e ductilíssima, por onde o irónico e o sarcástico atravessam os limites de uma fala com imperecível marca identitária (essa escrita no fio de lâmina, entre o riso e o drama, que já conhecemos desde esse canónico OS NAVIOS NEGREIROS NÃO SOBEM O CUANDO) dá-nos a ver, com corajosa lhaneza, o outro lado dos espelhos.
Uma viagem, por vezes excessiva, mordaz, telúrica, com impressiva sagacidade lúcida e lírica, pelo universo das margens, penetrando o fundo, o fosso desse TERRITÓRIO INIMIGO.