terça-feira, 31 de maio de 2022


 Alviela

" O Rio que Lisboa bebeu "
O rio Alviela e as suas Musas constituem um tema recorrente na obra de Mário Rui Silvestre, escritor ribatejano de poesia, contos e romances, profundamente atraído pela História e com algumas obras de historiografia no seu palmarés. A aventura da escrita é, aliás, um dos seus principais pretextos de relacionamento com os lugares de origem, de pertença e sentimento, de exaltação de narrativas sobre coisas como de pessoas ou do seu encontro e reencontro com os diferentes tempos históricos.
O Rio que Lisboa Bebeu não foge à regra. É o pretexto para falar, de novo, do rio e das suas múltiplas relações com a Natureza, a geologia, a geografia dos lugares, a sua História milenar,
as relações que criou com as letras e as artes e com os humanos na sua interrelacão com o Alviela. Através da sua prosa característica, provocantemente intencional, enredada e matreira, onde se soletra e repete o sentido das materialidades mais ou menos obscuras, de
modo a revelá-las ou mostrá-las compreensíveis, Mário Rui Silvestre reinventa o rio pela sua notoriedade alcançada a partir do dia em que começou a matar a sede a Lisboa. Um dia que ambicionou elevar Lisboa a um lugar quase semelhante às cidades da civilização ocidental, pela modernidade industrial do processo, pelo alcance da salubridade exigível, pela contemporaneidade e pelo serviço prestado a uma população sem água nos meados do século XIX. Uma inovação que só aproveitou a Capital por que se vivia a Era do Capitalismo Industrial oitocentista.
Esta leitura do significado do Alviela na Era Industrial encontrava-se ainda por fazer de modo integral. Há muito que se conhecia o Aqueduto do Alviela e do seu simbólico lugar na história
do abastecimento domiciliário de água a Lisboa. A sua evocação encontra-se patente no Núcleo da Estação Elevatória dos Barbadinhos do Museu da Água, onde se preserva a Casa das Máquinas a Vapor, um dos monumentos industriais mais significativos do património industrial do país. No entanto, olhava-se o Alviela a partir de Lisboa, cidade a quem o rio servia e não a partir do Alviela domesticado para favorecer Lisboa.
Mas um rio tem de ser parte inteira, não apenas suas parcelas, este ou aquele pormenor. Em As Gloriosas Máquinas do Pão, Mário Rui Silvestre olhara apenas para os moinhos hidráulicos do rio e nem a poesia, nem Pernes esgotavam o assunto, com toda a plenitude. Por isso, o autor de Alviela, do Rio à Margem e da monografia de Pernes, não estava contente. Algo faltava. Faltava falar do rio como um todo. Por essa razão, ao longo de oito capítulos e um epílogo, Mário Rui Silvestre estabelece os elos e as conexões que revelam um outro Alviela, que trata da sua Natureza e História e não apenas aspectos da sua existência, motivo e função.
E aqui entra o autor e a recorrência dos seus temas de interesse e investigação, para o matizar com pormenores de que não estávamos à espera, aspetos que dão colorido a um afluente do
Tejo, individualizando-o e pontuando-o, ciclicamente, com notas resultantes da sua investigação múltipla ou do cruzamento documental com vestígios do passado ou ainda fruto da sua própria vivência, aqui e agora.
E eis que, de novo como um tema que atrai a nossa atenção – a água que Lisboa bebeu – serve de pretexto para falar sobre a presença de Luís de Camões nos moinhos do Alviela ou do
equipamento molinológico enquanto símbolo da ribeira de Pernes. Assim como da parte integrante que o rio ocupa na História de Portugal ou na vida das populações ribeirinhas; dos efeitos míticos versus naturais que o rio exerceu nas diferentes épocas ou ainda salientando-se como um moleiro daqueles engenhos de mós começou a trabalhar para a Companhia das Águas de Lisboa e foi avô de Mário Soares, Presidente da República Portuguesa. E a narrativa prolonga-se noutros universos, desde os Templários e como ficaram donos daqueles moinhos à transmissão daqueles domínios de nobre para nobre ao longo dos tempos ou, note-se, como um dia do ano de 1957, se descobriu que a indústria de curtumes de Alcanena se serviu do rio, achincalhando-o ou aviltando-o, para lhe retirar a vida natural e impedir o trabalho que
proporcionava às gentes das suas margens.
Estas «estórias» – de grandes figuras da História mas também das populações a quem se retirou, durante séculos, um lugar nas narrativas historiográficas – povoam o novo livro de Mário Rui Silvestre. É interessante acompanhar a concorrência que o rio Tejo fez ao Alviela no abastecimento da água a Lisboa, sempre no interesse da Capital do país e dos consumidores lisboetas. Veja-se o pormenor acerca do limitado abastecimento da água a Pernes. Outrossim, deve-se observar o que do rio disseram os cronistas dos séculos XVIII e XIX ou explicar a génese do antigo concelho, hoje freguesia de Santarém e a sua ligação ao Alviela, através das
pequenas notas de maior erudição do autor. Ou ainda pesquisar o complexo relacionamento social e cultural de Luís de Camões com a nobreza de Casével, Vaqueiros e Pernes, com o qual o autor dá mais um contributo para o avanço dos estudos camonianos.
Merece maior destaque os relatos do «Medonho Sorvedouro» por serem aqueles que foram mais vivenciados pelo autor e menos conhecidos do leitor desadvertido, talvez porque, sobre tais relatos, impôs-se o esquecimento, aquele que varre as memórias dos acontecimentos, sobretudo daquilo que, ao poder político importa esconder: os combates populares, as revoltas e as denúncias de ecologistas. O autor – com conhecimento de causa – aviva a luta
contra a poluição do Alviela e o papel de uma das suas principais vozes – Joaquim Jorge Duarte (†1991), o «Diabo», fundador da CLAPA – Comissão de Luta Anti-Poluição do Alviela, uma das
primeiras associações ambientalistas do país, activa desde 1957 mas só constituída em 1976, uns anos antes da Adesão de Portugal á CEE (1986).
A propósito de O Rio que Lisboa Bebeu, Mário Rui Silvestre apresenta – segundo julgo – uma mundividência que literariamente o caracteriza. Se por um lado não pretende fazer uma obra
académica, com todo aquele aparato científico que a caracteriza, serve-se, no entanto, da investigação histórica – com recurso aos arquivos e às fontes – para introduzir no ensaio sinais de rigor documental, pautando as páginas do livro com apontamentos curiosos, verosímeis e reais – resultados mais que prováveis e até propostas ou linhas de pesquisa e uma erudição, quanto baste.
Neste seu ensaio, cruzam-se diversos papéis sociais a propósito de coisas narradas e vividas que conferem um colorido à prosa e um desejo de mais saber. Mas, ao mesmo tempo, acicata-se o sentimento e a razão acerca de alguns problemas preocupantes para a espécie humana, como as alterações climáticas e a imperatividade da ecologia verde (sem falar dos problemas
mais dramáticos dos últimos anos, como a pandemia, a guerra e a barbárie reinventada em tempo de sociedades de consumos, obra do regresso da autocracia, do poder da mentira, da arregimentação militarista e negação dos direitos humanos mais elementares, contra povos indefesos, oprimidos, desprotegidos, mulheres, crianças e idosos. O cruzamento entre as esferas do poder e as populações do Alviela encontra-se, também, patente nas Entrelinhas deste livro.
Contra a voragem ambiental e a indiferença dos poderes central e local, o autor sugere, subliminarmente, a salvaguarda e a valorização dos moinhos do Alviela em função do seu valor
arqueológico, enquanto conjunto histórico de épocas pré-afonsinas, perfeitamente documentado entre o século XII e o século XXI e também o aqueduto do Alviela, enquanto
construção e expressão cultural de um sistema de abastecimento, útil numa época de Turismo Cultural. As evidências molinológicas, assim como todas expressões que constituem a história natural e humana do rio, além do aqueduto de 114 Km dos Olhos de Água aos Barbadinhos, são – para Mário Rui Silvestre –, uma proposta de itinerário do rio, enquanto parte inteira. O valor natural e cultural do Alviela impõe-se, por isso, mesmo como um convite à sua leitura e vivência, pela escrita e pela Natureza, pela História e, sobretudo, enquanto lugar de memória da defesa do ambiente em Portugal.
in prefácio do Professor Doutor, Jorge Custódio
geral@zainaportugal.pt

quinta-feira, 19 de maio de 2022


 " Bento de Jesus Caraça - Uma fotobiografia "

De autoria de Natália Bebiano é lançado dia 21 de Maio de 2022 no Salão Nobre da Câmara Municipal de Vila Viçosa pelo Professor Doutor Luís Saraiva, Presidente da Associação Bento de Jesus Caraça.
Um livro com a chancela das Edições Cosmos.
Bento de Jesus Caraça é uma figura maior da cultura do século XX português. A relevância da sua acção em diferentes áreas, como professor, matemático, ensaísta, divulgador, conferencista, a sua condição de visionário de um mundo novo, mais justo e equânime, o seu reconhecimento do valor da Ciência e do Saber no progresso da Humanidade, constituem razão para que recordemos a sua obra e a actualidade da sua herança.
De origem humilde, foi a dona da herdade alentejana onde seus pais serviam, quem o mandou estudar para Vila Viçosa, de seguida Santarém, e depois Lisboa. Após a morte desta, dá lições particulares como meio de custear os estudos.
Aluno brilhante, aos 18 anos, e ainda antes de se licenciar, lecciona no Instituto Superior de Comércio a cadeira de Matemáticas Superiores. Álgebra Superior. Princípios de Análise Infinitesimal e Geometria Analítica como 2º assistente de Aureliano de Mira Fernandes. Após uma carreira académica fulgurante, ascende à cátedra aos 29 anos na sua alma mater.
Em 1930 o Instituto Superior de Comércio é integrado na Universidade Técnica de Lisboa passando a denominar-se Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras de Lisboa (ISCEF).
Professor de matemática no ISCEF, inaugura um estilo novo e cativante de ensino e desempenha em simultâneo vários papéis. Escreve obras científicas de reconhecido valor; dinamiza cursos e realiza conferências, em associações de estudantes, sindicatos,
e na Universidade Popular Portuguesa. O objectivo é despertar todos para as conquistas da criatividade humana das artes às ciências. É autor de livros, ensaios, artigos, recortes de divulgação. Dirige jornais, como o Globo, silenciado pela censura no terceiro número.
Em 1936 Bento Caraça cria com Manuel Valadares, António Aniceto Monteiro, António da Silveira o Núcleo de Matemática, Física e Química. É uma iniciativa inovadora, multidisciplinar e interuniversitária, sendo esta a primeira manifestação da
renovação científica de Portugal em moldes contemporâneos e segundo padrões internacionais, levada a cabo por um escol de jovens cientistas.

segunda-feira, 2 de maio de 2022