sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Odisseus-comédia da condição humana

Odisseus-comédia da condição humana
Novo livro em breve nas livrarias, novo livro de Falcão Fonseca

Exórdio ou exposição inicial
Odisseus, herói da minha juventude, chegou ao meu conhecimento por intermédio do resumo da Odisseia devido a João de Barros. Com a Ilíada só tomei contacto vinte anos depois durante longo período de recuperação de grave problema de saúde.
A perseverança de carácter foi a lição inicial que a personagem criada por Homero me transmitiu. Dei-me conta de viver num país onde as dificuldades são abandonadas aos primeiros contratempos e a maior parte dos trabalhos feitos sobre o joelho.
Embaixadas como a de Odisseus a Tróia, destinadas a tentar solucionar pacificamente um conflito, arrastam-se para permitir a preparação para as guerras. Recordo sempre este provérbio siciliano tão do agrado de Frederico II da Prússia «não solicites o que podes obter pela força». As batalhas, pela vastidão das suas destruições, provocam desperdícios de toda a ordem, principalmente humanos.
O estratagema do cavalo levou a parte contrária a fazer-se ouvir pela voz de Virgílio «Timeo Danaos et dona ferentes ou tenho receio dos gregos, sobretudo quando trazem ofertas». Mostra a malícia e a coragem dos vencedores perante o desleixo dos vencidos. Face às armas (argumentum baculinum) ocorrem fugas desordenadas como a de Eneias (fugite partes adversas). Receiam os Aqueus porque estes, após a longa e paciente espera e inúmeras dificuldades, deixaram de pensar na expressão perdoai aos vencidos (parcere subjectus).
Alguns dos deuses do Olimpo protegiam os Troianos mas acabaram por os abandonar na hora da derrota. Talvez por esse afastamento tenha Heródoto afirmado os deuses levantam-nos para nos deixar cair.
As tribulações ou tormentos de vaga mundo evidenciam que um caminho, mesmo quando programado, escapa inevitavelmente ao desejo do caminhante, ainda que o preparem para enfrentar adversários e inimigos.
Para Odisseus são diversas e diferentes as várias peripécias ao longo de caminhos ávios ou de atalhos de emergência. O seu périplo é encarado como o percurso da condição humana e o seu itinerário mental (itinerarium mentis) como maravilhoso motor (mirabile motore) civilizacional. Supera-se para enfrentar o desconhecido: Ciclopes, Sereias, Cila e Caribdes e o amor das mulheres que por ele se apaixonam: Circe, Calipso, Nausicaa. Pretende sempre ir mais além, para lá dos conhecimentos do momento. Fora do maré nostrum. Dizia em 1506 o cosmógrafo Duarte Pacheco Pereira no Tratado dos novos lugares da Terra «a experiência é a mãe de todas as coisas».
Uma das maiores necessidades humanas é o conhecimento do futuro. Odisseus não escapa a esse interesse e, informado por Circe desce aos infernos a fim de consultar a sombra do adivinho Tirésias.
Nas deambulações de Odisseus há uma constante: a dor do regresso ao solo pátrio, ao convívio da família. No mundo em transformação qualquer deslocado ou emigrante sente essa nostalgia.
Morre em parte incerta porque outros poetas resolveram contribuir para a sua biografia. Devia ocorrer a todos os homens a recomendação de Horácio: solve senescentem ou desatrela a tempo o teu calo velho.
Tem os seus detractores, como todos os que se afastam da mediocridade. Está incluído no grupo daqueles de quem Bocage disse Em vão corvos da inveja à glória grasnam.