Se quisermos ouvir dizer bem de Portugal, ouçamos um estrangeiro; se quisermos ouvir dizer mal, ouçamos um noticiário feito por jornalistas portugueses.
E porquê?
Porque o estrangeiro compara Portugal com o que sucede lá fora, por esse mundo além, enquanto que o jornalista português se dedica a referir o negativo fronteiras adentro. E fá-lo para explorar a morbidez e a inveja tão acicatadas pelo discurso político de que tudo é devido a todos, de que tudo possuir é um «direito irreversível e inalienável das conquistas de Abril». E há impuros que se dedicam afanosamente à sonegação desse direito que devem ser publicamente denunciados, perseguidos e penalizados. Lembram os tempos da Inquisição, do Pelourinho, da denúncia por polícia política ou da higiene alimentar. Se se trata ou não de calúnias, isso é o que menos importa pois a Justiça foi posta em estado de hibernação e entretanto as audiências televisivas subiram e a publicidade pagou.
Mas haja esperança pois os nossos problemas têm solução.
Disso trata o PORTUGAL TRADUZIDO em que o Autor, John Wolf, formalmente americano, faz uma apreciação crítica da nossa sociedade onde ele próprio se integra há uma vintena de anos e levanta questões a trás de questões. Mas mais do que «levantar lebres», aponta caminhos para que nós próprios consigamos caçá-las e não seremos dois os portugueses de berço que faremos uma leitura igual de texto tão importante para todos os que queremos encontrar um rumo no desnorte a que temos sido votados.
E se a Moral é a questão dos princípios e a Ética é a dos factos, então o PORTUGAL TRADUZIDO é um livro eminentemente ético que deve ser lido com muita atenção porque não se lhe encontra uma palavra a mais nem outra a menos. Magro de adjectivos, dá para nos pôr a pensar por nós próprios, não nos impõe um raciocínio específico.
E se para nos analisarmos é fundamental dispormos de espelhos em que nos possamos mirar de corpo inteiro, melhor é quando o podemos fazer por ordem alfabética. Sim, o Autor percorre todo o alfabeto incluindo as antigas letras espúrias KWY dando-nos para cada uma delas um tema apropriado em que nos revemos «enfiando alguns barretes».
Este livro é uma realística crítica social que o Autor pincela às vezes com leves traços queirozianos mas nunca de forma jocosa. E se Eça de Queiroz foi um português que viveu no estrangeiro e nos viu de longe, o John Wolf é formalmente um estrangeiro que nos vê de perto. De tão perto que dá para nos esquecermos de que é americano. Mas nas críticas que nos tece está implícito um enorme gosto por tudo o que é português.
Leitura de grande utilidade para nos corrigirmos tão rapidamente quanto possível. E tentemos provocar aquela vaga de fundo que tarda para sublimação dos nossos males, não necessariamente pecaminosos mas certamente entorpecentes do desenvolvimento por que todos ansiamos.
Só me pergunto como terá o Autor em 20 escassos anos conseguido ver tanto do que nós não topámos em quase 850.
Livro a não perder por quem tem cabeça para algo mais do que para usar chapéu.
Texto roubado a http://abemdanacao.blogs.sapo.pt/