domingo, 11 de janeiro de 2015

Todos os tempos são os tempos certos para as obras sobre geopolítica, sobretudo africana. Todos os tempos são os tempos certos para se falar sobre os problemas das doenças endémicas em África. Mas não há tempo mais certo que o de agora, para se ler, pensar, analisar, discutir e aprofundar as complexas e labirínticas interações e interdependências entre a geopolítica e a medicina. Em África, as medicinas, quando existem, surgem com inúmeras máscaras, nas suas vertentes de medicina clássica ou tradicional, colonial ou neocolonial, maioritariamente importadas pela dependência das ajudas internacionais… Mas em África, por outro lado, existe sobretudo a outra realidade, não das medicinas, mas da falta delas. E essa é a razão de ser desta obra: geopolítica não da saúde, representada pela medicina, mas da doença, representada pela falta dessa medicina. E se a maioria das doenças africanas são também doenças tropicais, partilhadas com outros países e zonas do mundo fora de África, vamos encontrar os índices de morbilidade e mortalidade completamente desequilibrados para o lado do continente africano, sobretudo ao sul do Sahara. As determinantes antropológicas, sociológicas e políticas são, neste caso, um factor primordial deste balanço negativo. A história colonial, os baixos níveis de desenvolvimento, as fracturas entre o urbano e o rural, as estratégias políticas e sociais levaram a um estado permanente, nalguns casos, cíclico, noutros, de ruptura e descontrolo das estruturas ligadas à saúde e à doença, de fácil aproveitamento pelas estruturas do poder. Este é o tempo certo para esta obra da Professora Alexandrina Batalha. O actual surto de doença por vírus ébola é o exemplo máximo dos riscos das doenças endémicas para os países africanos, e pandémicas para as restantes zonas do globo. É o exemplo certo da incapacidade dos países africanos afectados para controlarem uma doença extremamente contagiosa (sobretudo quando associada a padrões culturais e religiosos das populações) e com alta mortalidade. É o exemplo certo da forma de olhar para África por parte dos países do Norte, de cima para baixo, mas, subitamente, com receio. E, nesta doença endémica com risco de se tornar pandémica, as determinantes geopolíticas, muitas vezes subliminares e mascaradas de componentes altruístas, surgem agora límpidas e claras: a ajuda externa para controlar a epidemia não é um movimento humanista, mas uma atitude egoísta e de autoproteção. Controlemos a epidemia, e evitamos os problemas sociais nos nossos próprios países. Geopolítica e endemias africanas no seu mais recente, e perigoso momento.